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JBO - Jornal Brasileiro de Oftalmologia 35 Nº 211 - Outubro/Novembro/Dezembro - 2025
Como sempre desenhei compulsivamente, era solicitada
na escola para trabalhos criativos e já imaginava minha
vida ligada à arte, embora não como artista profissional.
Na faculdade de Belas Artes, no Rio de Janeiro, meus
desenhos se destacavam e eu sonhava em ser ilustradora,
o que fiz mais tarde. Embora bem-sucedida, concluí que
minhas próprias ideias é que ansiavam por se expressar.
Depois de um tempo, decidi que produzir arte como ex-
pressão seria o meu ofício, deixando de ser arte educa-
dora e ilustradora e focando apenas nesse objetivo.
Quais são suas maiores referências? Como dialoga
com elas em sua obra?
Na casa da infância, nos afetos e na memória, está a nas-
cente, a fonte de criação, meu maior referencial, sem-
pre somado à minha necessidade vital de imaginar. As
imagens de tecidos, assim como o fabulário das leituras
da infância, marcaram fortemente minha imagética. No
campo da arte, as minhas referências - bem ecléticas
- são indiretas, já que não houve um artista ou estilos
pelos quais eu me interessasse em estudar mais profun- Obra “Bater asas provoca furacão (Estratégia para o caos #1)”, grafite e
lápis de cor sobre papel, 190cm x 110cm, 2015. E obra “Antes do furacão”,
damente ou tentasse reproduzir. Na faculdade de Belas assemblage com azulejos autorais sobre MDF, cabelos bio-sintéticos e sof-
t-escultura de linho pintado, recortado e colado como borboleta, 150cm x
Artes cursei Comunicação Visual e me apaixonei ainda 20cm, 2023.
mais por ilustrações, vendo publicações estrangeiras e simbólicos da nossa cultura, profundamente enraizados
quadrinhos adultos, futuristas e surrealistas. Meu proje- em nossa memória afetiva, aparecem, alternadamen-
to de conclusão de curso foi um livro infantil que es- te, como protagonistas em formas curvas, flutuações e
crevi e ilustrei. Desde a adolescência, me encantavam movimentos ilusórios, sugerindo um corpo vivente, uma
as figuras do renascimento, mas me identificava com as subjetividade. Enfim, o corpo, ele mesmo representado,
composições em diagonais, movimentos e excessos do aparece em algumas séries através de figuras de aparên-
barroco, assim como o realismo, a subjetividade onírica cia familiar, contemplativas, em cenas um tanto indefini-
do surrealismo e até o ornamentalismo e as sinuosida- das, que parecem sugerir uma narrativa, mas com sentido
des do art nouveau. Com eles, talvez meu trabalho dia- desconhecido e sutis estranhamentos que a deslocam do
logue em alguma medida. cotidiano banal, remetendo ao onírico.
Qual o lugar do corpo no seu trabalho? Em uma de suas séries você trabalhou com fios de
Mesmo quando o corpo não está visível em minha obra, cabelos? Como surgiu esse desejo? E como relacionou
dois elementos desempenham seu papel: são as ima- essa materialidade?
gens de tecidos ou de cabelos trançados, que deixam de Entre 2002 e 2009, eu trabalhava numa série de pinturas
ser naturalmente inanimados e passam a ser dotados de cujas imagens eram apenas tecidos. Alguns apareciam
uma “alma”, sugerindo ações, sensações e emoções em trançados. Isso me remeteu às cordas feitas de lençóis
cenas e naturezas-mortas sensuais. Ambos os elementos por presos, para fugir da prisão, denominadas “tere-

